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XXI FANTASPOA | O Mosqueteiro Solitário, de Nicolai Schumann (The Lonely Musketeer, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 9 de mai.
  • 4 min de leitura

Com apenas um ambiente e um único ator em frente à câmera, O Mosqueteiro Solitário propõe um estudo de personagem, e coloca em xeque as relações humanas através da ambiguidade.


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Filmes que se passam em um único espaço já naturalmente precisam enfrentar uma certa resistência por parte do público, ainda mais em tempos como os atuais, em que a necessidade de dinamismo e estímulos constantes parecem essenciais para captar o interesse de uma boa parcela das pessoas – e especialmente a juventude -, acostumadas à descartabilidade de vídeos curtos e aos vícios proporcionados pelas redes sociais como um todo.

 

Eleve esse desafio ao quadrado quando O Mosqueteiro Solitário resolve lançar-se em níveis ainda maiores de dificuldade, com a adoção de uma fotografia em preto e branco durante a esmagadora maior parte do tempo de projeção, e ter, em cena, materializado, apenas um único personagem, preso entre quatro paredes que mal formam um quadrilátero exato, com apenas uma única faixa de luz solar, em um local desconhecido e por razões igualmente desconhecidas, cujo único contato com o mundo exterior se dá através de um telefone celular, antigo, que apenas serve para ligações, sem “touchscreen” ou acesso à internet.

 

A partir dos telefonemas que realiza, na tentativa de ser encontrado e se livrar daquela prisão misteriosa, e de suas conversas com amigos, familiares, a polícia e até mesmo com o próprio sequestrador, pouco a pouco vamos conhecendo quem é o protagonista Rupert. Aparentemente um homem cruel, ambicioso e sem escrúpulos desde os tempos de escola, memórias essas que retornam para assombrá-lo, temos uma visão ambígua de sua persona, como amigo, pai e gestor de uma das maiores empresas do Reino Unido.

 

Nem sempre as pessoas são no fundo o que elas se parecem, e nunca temos a completa noção de todos os atos uns dos outros, algo que cabe, na realidade, a cada um. O roteiro assinado por Nicolai Schumann busca, com muita inventividade, a construção desse personagem tão ambíguo através de pouquíssimos recursos. Ainda que apenas com um celular em mãos, e um limitado número de pessoas do outro lado da linha (algo em torno de cinco ou seis), é o suficiente para dimensionar a grande repercussão que Rupert consegue dar para o seu sequestro, seja por sua habilidade – e possibilidade, dada a fama que alcançara – em colocar-se diante dos holofotes, ou mesmo pelo aspecto midiático que toma toda a narrativa, sem, em momento algum, mostrar sequer uma televisão.

 

Ainda assim, a internet ocupa papel fundamental na difusão dessa notícia que movimenta o país, enquanto o protagonista lida com as consequências de seu desaparecimento tentando remediar o problema através do dinheiro, uma cura milagrosa para qualquer questão – mas será que tudo é sobre dinheiro?

 

É muito interessante, inclusive, a sacada do roteiro em colocar Bauman como o sobrenome do protagonista, justamente em um filme que discute a fragilidade das relações em uma sociedade cada vez menos confiável, assim como a própria natureza do ser humano, mais ambígua e questionável na medida em que as tecnologias avançam rapidamente.

 

Não somente pela perspicácia do texto, Schumann também surpreende por ser O Mosqueteiro Solitário sua primeira direção, em especial pelo domínio que demonstra da imagem e do som em um filme que, apesar de construído essencialmente por diálogos, sabe muito bem como aproveitar o aspecto audiovisual para trabalhar a situação que constrói com o dinamismo necessário para atrair a atenção, e auxiliar no estabelecimento de um conexão com o personagem em tela, seja por um sentimento de empatia a medida em que ele se desconstrói e descobre o porquê de estar nessa situação, bem como pelo sentimento de claustrofobia que nós, o público, sentimos junto com ele.

 

A fotografia, assinada por Bruce Jackson, se aproveita das sombras e da luz do preto e branco para trabalhar os sentimentos e a jornada do personagem para consigo, enquanto possui tempo de sobra para refletir, em uma homenagem ao Expressionismo Alemão e até mesmo com certa teatralidade, sobretudo por parte da excelente atuação de Edward Hogg como protagonista. Da mesma forma em que o preto e branco trabalham com a realidade presente, os poucos momentos no passado, em cores, são como memórias vívidas de uma vida inteira que define e culmina em um momento presente.

 

Assim, O Mosqueteiro Solitário é como uma passada da vida diante dos próprios olhos, através de memórias narradas com um impecável trabalho sonoro e imagético, que envolve o espectador em um mistério filosófico, e trabalhado sob um orçamento extremamente limitado, de aproximadamente cem mil dólares. Apesar de uma produção pequena, é um grande filme pelo que representa, em termos de experimentação estilística, de forma bastante formalista, e sobretudo um respiro criativo para tantos filmes maiores que não conseguem chegar perto da inventividade deste.


Avaliação: 4/5

 

O Mosqueteiro Solitário (The Lonely Musketeer, 2025)

Direção: Nicolai Schumann

Roteiro: Nicolai Schumann

Gênero: Thriller, Drama

Origem: Reino Unido, Alemanha

Duração: 95 minutos (1h35)

XXI Fantaspoa (Mostra Internacional)

 

Sinopse: Rupert acorda em um quarto trancado sem portas ou janelas. Ele não faz ideia de como foi parar ali, e tudo o que tem é seu celular. Enquanto investiga, ele é assombrado pelo passado e descobre, aos poucos, o horror no qual está metido. (Fonte: Fantaspoa)

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